25 abril 2008

■PONTO CRÍTICO 18■ Necessidades, há 34 anos

Os diplomatas, mesmo os prosélitos do regime deposto,
não tiveram grandes razões de queixa,
e bastantes só tiveram motivos de gratidão.

SEM GRANDE PERTURBAÇÃO O deixar ver onde isto vai parar, dominava o ambiente. Poucos foram os diplomatas em serviço no Palácio, que, nas primeiras horas da mudança, entre a total surpresa e o calculável receio, ousaram dar sinais inequívocos de adesão ao movimento de alegria espontânea que avassalou as ruas mas que, no que tinha de poesia, não chegou bem ao Largo do Rilvas e ao Largo das Necessidades. Nos postos, o instinto levou a retirar do armário a farda diplomática de servidor do estado, sobretudo nos lugares onde, na época, se exigia talhe de profissão de fé na política oficial, como Washington, Nova Iorque e Pretória. Depois da marcante gestão de Franco Nogueira, entre 1961 e 1969, a Casa estava já a adaptar-se ao que parecia ser novo ciclo de inamovibilidade com Rui Patrício.

Foram vinte dias de espera do novo ministro – Mário Soares, em 16 de Maio a que se juntou Jorge Campinos, como secretário de estado em 27 de Julho. Mas pouco a pouco, nos serviços centrais e nos postos, foi-se respirando de alívio – a onda de saneamentos políticos não atingiu grandemente a carreira, mesmo quanto aos que até pouco antes não disfarçaram proselitismo, designadamente directores políticos do ministério. Quando muito, neste ou naquele caso, houve umas ténues mas sempre discretas desgraduações. De modo geral, foram mantidos nos seus postos os embaixadores em capitais de primeira importância para a nova política externa que cedo se antevia em função do rumo das colónias em África ou mesmo para a gestão externa da conturbada política interna que forçou bastantes diplomatas a exercícios de mimetismo que apenas a rastejante vocação de sobrevivência aconselha.

Foi assim que por aí tivemos, por alguns anos e de vez em quando, salazaristas confessos nos corredores, em posições de relevo decisório na máquina diplomática, ou por uma continuidade tolerada, ou repescados sob protecção, diga-se, pertencendo tudo isso já praticamente à história, mas também, por alguma ingenuidade, com bastantes matérias intencionalmente subvertidas ou mesmo apagadas da história pelo trabalho de sapa de alguns repescados.

E assim se poderá concluir que nas Necessidades de há 34 anos, poucos, raros diplomatas, sobretudo os prosélitos do regime autoritário deposto, terão tido razões de queixa de não ter havido na carreira, quer nos vícios como nas virtudes, o gozo do benefício de uma acomodação na adversidade, a corresponder àquela divisa da evolução na continuidade, divisa esta que, na política externa, Rui Patrício cultivou até ao último dia dos seus quatro anos como ministro.

Carlos Albino

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