JOÃO SANTOS LUCAS E A QUESTÃO DE UMA EMBAIXADA EM SINGAPURA
'Justifica-se aqui uma forte
presença diplomática'
'Justifica-se aqui uma forte
presença diplomática'
ý 1 - O ministro Luís Amado anunciou a intenção de abrir uma Embaixada em Singapura, com embaixador residente. Justifica-se?
JOÃO SANTOS LUCAS - Justifica-se, pelo menos, desde há uma década a esta parte.No final dos anos noventa a política portuguesa de representação externa no Sudeste Asiático decidiu a expansão da rede diplomática na região alargando-a nomeadamente a Singapura e à Malásia. Em Dezembro de 2003, quando Goh Chok Tong, então Primeiro Ministro de Singapura, visitou Portugal ter-se-á iniciado a negociação de um MOU estruturando a cooperação cultural, científica e educacional e, de novo, ter-se-á abordado a possibilidade de estabelecimento de uma Embaixada de Portugal em Singapura. Nem o MOU foi por diante nem a Embaixada. Portugal poderá, então, ter perdido a face perante o governo de Singapura, o que em termos asiáticos significa que poderá ter visto a sua credibilidade diminuída.
Quando dezassete membros da UE têm uma Embaixada em Singapura, torna-se difícil compreender porque é que Portugal é um dos últimos países da UE a assumir uma tal decisão e com tantas hesitações. Dos quinze membros iniciais da UE só o Luxemburgo, a Grécia e Portugal não têm Embaixada. Em contrapartida estes dois países têm um consulado com estatuto, funções e recursos qualificados. Portugal tem-se pautado pela ausência de serviços qualificados mesmo a nível consular.
Muito para além da sua dimensão, Singapura influencia as percepções dos decisores políticos não só do Sudeste Asiático mas de toda a Ásia e alcança êxitos com a sua dinâmica soft diplomacy. Recorde-se, a título de exemplo, que a ASEM foi sugerida por Goh Chok Tong, ex primeiro ministro de Singapura e actual senior minister. Singapura, país cosmopolita, é um elo de ligação equilibrado entre o Ocidente e o Oriente. A política externa portuguesa na Ásia e a diplomacia portuguesa não usufruem de uma das principais fontes de inspiração, conhecimento e sabedoria enquanto não estiver em contacto quotidiano com a comunidade política e diplomática de Singapura.
Mas, mais. Singapura, com o seu pragmatismo político, pratica uma economia de mercado regulada e globalizada bem enquadrada num planeamento rigoroso mas muito ràpidamente ajustado às alterações da economia mundial, assegurando um contexto apropriado para as empresas que queiram actuar nos mercados asiáticos. Singapura, o país mais competitivo do Mundo para fazer negócios e onde é mais fácil fazê-los, é uma excelente placa giratória com acesso rápido a todos os países da Ásia, com um apoio logístico de primeira qualidade. Através dos acordos de livre comércio, o último dos quais com a China, Singapura tornou-se um agente facilitador e promotor do comércio e investimento internacional. Motivos mais do que suficientes para Portugal ter em Singapura uma forte presença diplomática para enquadrar política e institucionalmente a diplomacia económica e as iniciativas das empresas portuguesas.
Os países da UE entenderam e valorizaram há muito a importância estratégica de Singapura, como líder e modelo de referência, mesmo para a China e a ìndia, os países produtores de petróleo do Médio Oriente e os restantes países da ASEAN. A cidade Estado exportou o modelo das zonas económicas especiais e das cidades industriais, de que Suzhou é um ex-libris. Desenvolve na China a eco-cidade de Tianjin e exporta o modelo de habitação privada de iniciativa pública (HDB). O modelo do seu fundo soberano e da sua holding pública tem sido por adoptado por outros países. Os seus investimentos estão dispersos pela Ásia e pelo Ocidente. Capitalizar este mundo de oportunidades implica um diálogo permanente ao mais alto nível com a elite dirigente do país que só uma Embaixada permite alcançar.
ý 2 - Acha que Portugal ainda tem disponível algum «espaço» em Singapura, sobretudo nas áreas económica e comercial?- J.S.L. - Singapura valoriza as diferenças e, como sociedade aberta, é altamente receptiva à chegada de novas ideias e de novas contribuições para o seu desenvolvimento e para o seu estilo de vida. Portugal, como país europeu, tem todo o espaço para penetrar.
Mas os portugueses têm de perceber que Singapura é altamente competitiva e que só ganha quem tem a capacidade de atrair sobre si as atenções. Elevado profissionalismo, estratégias de entrada bem ancoradas em fortes estratégias de marketing são indispensáveis para se ser reconhecido e apetecido. Portugal tem de investir na sua imagem em Singapura, como todos os outros países têm feito, para que o caminho se abra às suas empresas. E para desenvolver as relações a nível económico, científico e tecnológico, Portugal e Singapura têm de se aproximar e de dar a conhecer as suas culturas.
Na Ásia, o Estado e as instituições têm um papel determinante nas relações políticas, culturais e economicas. As empresas asiáticas actuam com maior facilidade quando existe um enquadramento político e institucional, quando se celebram acordos e se encarregam comissões para os monitorizar, avaliar e corrigir. Quanto maior for o entrosamento entre instituições políticas, culturais, científicas e empresariais de ambos os países mais fácil serão as relações entre as empresas. É fundamental alcançar uma colaboração sistemática e sustentada entre as associações empresariais de Portugal e de Singapura.
ý 3 - Como é que Portugal, neste momento, é «sentido» em Singapura?- J.S.L. - Portugal é pouco sentido em Singapura, e tem uma imagem muito pouco saliente. O desconhecimento dos cidadãos de Singapura em relação a Portugal equipara-se ao que os portugueses demonstram em relação a Singapura.
Para uma minoria mais informada a imagem de Portugal está, ainda, associada a Afonso de Albuquerque e à sua tomada de Malaca, em 1511, à luta pela independência de Timor Leste na qual Singapura era aliado da Indonésia como membro da ASEAN, aos futebolistas Figo e Cristiano Ronaldo e, entre os católicos de Singapura, a Fátima. Desconhece-se em Singapura a relevância da importação de produtos de média e alta tecnologia com origem em Portugal feita por uma multinacional localizada em ambos os países e que passa por ser uma das componentes mais importantes das exportações portuguesas.
Entre os poucos que visitaram o nosso país, a ideia é de que Portugal é um dragão adormecido. Que é um pais tradicional, conservador, apaixonado pelo seu passado, com dificuldade de se libertar, de inovar, de criar soluções novas. Um país lento, de resposta lenta. E com um estilo de vida sem stress, sem pressa. Mas com um enorme potencial.Os empresários de Singapura não conhecem Portugal, nem o seu potencial económico, nem a sua estabilidade política, nem as práticas de corporate governance dominantes, nem a qualidade dos seus recursos humanos, nem a sua diferenciação tecnológica, nem as suas infra-estruturas, nem o interesse turístico do país. Em Singapura não se sente o pulsar de Portugal.
Faz falta uma Embaixada de Portugal em Singapura se ela se comportar à altura das suas congèneres europeias. Com sabedoria e capacidade para liderar uma mudança de posicionamento de Portugal em Singapura e no Sudeste Asiático.
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