03 novembro 2008

PONTO CRÍTICO 27 ■ Sócrates com mais clareza

Calou Evo Morales (e logo numa iberoamericana!)
não dizendo nada que Chávez já não tivesse ouvido,
deu a mão a Espanha
no que os espanhóis mais gostam (protagonismo internacional),
saíu das águas turvas
quanto ao que no futuro deve ser o FMI e outras instituições
que os EUA têm considerado como exclusivos apêndices seus,
sobre Obama esteve para além da mera simpatia
ou empatia de área política
deixando claro que aquela tal emblemática cimeira das Lages
não seria consigo.
O primeiro-ministro está mais claro,
já não era sem tempo.


    MUITO PARCO em tomar posições sobre os rumos da política internacional ou em exercícios de pragmatismo a que habituara todos, José Sócrates em pouco tempo retocou a imagem que estava demasiado próxima do fiado da diplomacia comercial.

    Numa ciclópica entrevista marcada para provocar efeitos internos, como inequivocamente provocou, explicou o tom que deu às relações com a Venezuela de Chávez e com o próprio Chávez, passando aceitavelmente por um espaço equivalente ao que dista entre duas gotas de chuva – o peso da comunidade emigrante nesse país e a legitimidade de Chávez no poder, e com clareza descreveu os EUA que deseja com Obama e quer com uma administração que seja radicalmente diferente da Bush. Depois, na primeira oportunidade que teve lá fora, designadamente em El Salvador, não desperdiçou o momento da ausência de Chávez para enfrentar com argumentos ad hominem desferidos com precisão aos imitadores de Chávez que estavam presentes, sobretudo na versão boliviana, pelo que passados estes dias, ainda hoje Evo Morales deve estar na tentativa de perceber o que José Sócrates terá querido dizer com aquilo de que "Tudo deve mudar e tudo vai mudar; esta não é uma época de mudanças - é uma mudança de época".

    Mas como o objectivo da operação não era obviamente as tergiversações latino-americanas, mas sim o da afirmação possível nos temas internacionais com cartão único, visou o FMI transformado agora e por culpa própria em bombo da crise, acusando essa instituição que tem sido mais cavalo marinho do que muleta dos EUA, de não ter sabido estar à altura das suas responsabilidades, e que, de modo geral as instituições internacionais sofrem uma crise de representatividade e precisam de novos actores políticos, como disse, «de novos actores, com novos países, que não podem ficar excluídos, como estiveram da ordem económica e da ordem reguladora nos sistemas financeiros». Não referiu quais os países, mas subentendia-se, embora, para que não ficasse tudo no vago e em função da inevitabilidade de calendário, também de forma certeira, Sócrates não tenha deixado escapar a oportunidade para apoiar a pretensão de Espanha em estar presente na Cimeira do G-20, em Washington, a 15 de Novembro.

    Explicação da Venezuela, Obama e desejada mudança dos EUA, demarcação dos imitadores de Chávez que Sócrates fez presente com a metáfora de ter ele atirado já o Magalhães ao chão não conseguindo parti-lo, o FMI como potencial réu da crise financeira e a Espanha no G-20 (onde a UE, portanto, não basta), tudo isto mostra um Sócrates a dar relativamente mais primazia à política nas matérias de relações internacionais, não em todas as matérias, mas em duas ou três onde a clareza, se fosse tarde demais, não prestaria.

    Carlos Albino

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