24 março 2010

PONTO CRÍTICO 31 : Carrilho e MNE mal no retrato

Nem o ministro deve ser representante
ou mero procurador,
nem um representante pode ser ministro à sombra
ou par do ministro

    images DAS FACES, A MESMA MOEDA No dia 8, a propósito de um anúncio para um mordomo, aqui se afirmou que Manuel Maria Carrilho está de partida da cidade das luzes. E logo a seguir também aqui se indicou que o próximo representante junto da UNESCO será Luís Filipe Castro Mendes, entretanto promovido a embaixador full rank. Carrilho está naquela representação permanente há pouco mais de um ano (foi nomeado em 28 de janeiro do ano passado) e, se tudo fosse normal, nada levaria a crer que saísse tão cedo de Paris. Mas como a alta vida portuguesa não é transparente, que se adivinhem os motivos, sendo arriscado que mesmo o motivo mais evidente ou mesmo sabido não seja desmentido consoante a conveniência. E bem vistas as coisas, pelo nosso lado, nem nos interessam já grandemente os motivos, em histórias como estas. E por isto, NV deixaram o caso no anúncio para mordomo, na saída de Carrilho e na nomeação de Luís Filipe Castro Mendes, sublinhando que assim se interrompia a utilização política do posto ou para sinecura, ou por prémio, ou na pior das hipóteses, para desterro de gente incómoda mas de luxo. Alguma boa gente não se esquece da nomeação (frustrada) de Pacheco Pereira para esse altar parisiense…
    nuvem sem figura Mas como o Expresso deu largas à descoberta de que o “Governo quer afastar Carrilho da UNESCO” e, como causa directa, citou o episódio da votação para o director-geral da organização (em setembro) com a recusa de Carrilho em acatar então as instruções de Lisboa, está justificada a oportunidade de alguns considerandos. Não queríamos voltar a um episódio em que tanto o MNE como Carrilho ficam mal no retrato (e, nisso, a imagem de Portugal e a ideia que o retrato sugere sobre a qualidade de Portugal), mas voltamos.
    Sucintamente e basta:
    1. Carrilho decidiu em consciência não votar no candidato egípcio e tinha efetivamente argumentos de sobra. Só que um voto na UNESCO em nome de um país, não é propriamente  um artigo de opinião. O voto era de Portugal e não de Carrilho. Mau retrato, o de Carrilho.
    2. Amado decidiu instruir o representante permanente junto da UNESCO para votar no egípcio. Certamente a troco de alguma votação egípcia em Portugal por algum daqueles negócios estrangeiros. Mas quando o assunto se tornou público, Amado deveria ter explicado o sentido desse voto. E explicado publicamente até porque não era caso de guerra, nem químico nem nuclear… Não o fez publicamente, e segundo se crê, também não o fez na Comissão parlamentar de Negócios Estrangeiros à porta fechada ou aberta. Ora esse voto, como tantos outros, não é de Amado, é do estado português, é um voto em nome de Portugal que o ministro, numa democracia, deve explicar, mas não explicou. Porquê no egípcio? O interesse do estado não justifica todos os meios… Mau retrato, o de Amado.
    3. Carrilho, após a recusa das instruções políticas e sendo um embaixador de nomeação e confiança política, só tinha uma caminho em coerência: pedir a exoneração do cargo. Ao que se sabe, não o fez, nem o ministro tomou qualquer iniciativa clara que sanasse a desautorização. Naturalmente que o episódio criou mau estar na própria carreira diplomática, porque nas atuais circunstâncias nem o estado português é o tal do tempo do cônsul de Bordéus e suas circunstâncias, nem a desobediência deste pode servir de exemplo a desobediências por dá cá aquela palha, mesmo que um ministro em democracia tenha um procedimento que sugira ou possa sugerir aquele substrato cultural de outros ministros em regimes de ditadura – esta é outra questão, e, numa democracia, há opinião pública, há parlamento, e, mais tarde ou mais cedo, haverá escrutínio a que o ministro não se pode furtar ou do qual só com muita arte se furta (também tem havido esta arte). Amado e Carrilho ficaram mal no retrato.
    4. Se a desautorização de Carrilho ficasse em branco, quem poderia penalizar qualquer embaixador que, a este ou aquele pretexto, se recusasse a acatar instruções de Lisboa? Aliás, até hoje, o ministro não esclareceu com clareza se o voto exercido em nome de Portugal na UNESCO, mesmo sem Carrilho, foi mesmo a benefício do egípcio… Foi mesmo? Carrilho e Amado ficaram mal no retrato.
    Mas ainda há mais a dizer.
    Carlos Albino

Sem comentários: