10 setembro 2010

Questão de ter boca, olhos e ouvidos

    Tornou-se já incontornável citar o saudoso Embaixador José Calvet de Magalhães, quando, a propósito da função de informar, ele reiterava que essa informação diplomática deve ser breve, altamente seletiva, corajosa e honesta, evitando tentações de agradar ao governo, quer por acção, quer por omissão. O departamento de Cifra das Necessidades está repleto de exemplos de informação a que se chamam lençóis, informação nada seletiva, sem coragem e segundo conveniências pessoais ou funcionais, adocicando factos e circunstâncias em função do governo que está ou virá, quer por comissão, quer por intromissão. No dicionariozinho a esse propósito está o que abaixo se transcreve, para consideração e retificação. Agradece-se.

Informação (função da missão diplomática)
Tem duas vertentes: a das informações que os agentes diplomáticos expedem por canais privilegiados para o estado a que pertencem, por rotina ou quando algum facto ou circunstância as torne prementes, e a das que, por forte razão ou motivo, devam ser canalizadas às autoridades ou às opiniões públicas do estado recetor dando conta de posições e esclarecimentos do estado que envia. A informação de caráter noticioso já configurou, outrora, uma das tarefas centrais ou prioritárias na vertente da ligação da missão aos serviços diplomáticos centrais. Gradualmente, com a evolução dos meios de comunicação social com as novas tecnologias a determinarem facilidade de circulação global, a preocupação noticiosa tornou-se na generalidade dos casos, inútil e dispensável – daí que na informação diplomática não há ética jornalística, mas deve haver ética diplomática, o que é diferente e leva a que, atualizando o enunciado da Convenção de Viena, tal informação diplomática deve ser obtida por meios lícitos, excluindo os meios ilegítimos, como o da espionagem, que procede à recolha clandestina de informações quase sempre por agentes de nomeação protegida pelo estatuto diplomático, ou como o do jornalismo dissimulado, através de agentes mutatis mutandis de conveniência (Ver Conselheiro de Imprensa/Adido de Imprensa). Ora a acima referida evolução não anulou de forma alguma a incumbência cometida às missões diplomáticas de recolha e tratamento de informação sobre o que ocorre nos estados onde se encontra. Pelo contrário, requalificou a função para os patamares da informação explicativa e da informação do previsível, ao mesmo tempo passou a impor novos critérios para a credibilidade e filtragem das fontes oficiais ou privilegiadas, e atenções para novos fenómenos como os da diplomacia pública e da paradiplomacia. A frente da informação, mais do que nunca, tornou-se na condição sine qua non para que uma missão diplomática tenha boca, olhos e ouvidos nas questões politicas, económicas, culturais e técnico-científicas que se interpõem no relacionamento bilateral, sejam tais questões de caráter geral ou especializado. Mal de um estado que saiba por terceiros aquilo que, de seu interesse, a própria missão que enviou, fez por desconhecer, ignorar ou secundarizar. Além disso tem sido referido que o dever da missão em transmitir informação às autoridades e esclarecimento da própria opinião pública do estado recetor sobre posições do estado que envia, não está previsto na Convenção de Viena. Todavia o exercício desse dever, sobretudo nas matérias que com relação direta e útil imponham a invocação de um direito à reposição da verdade ou de retificação, faz cruzar a função de informação diplomática ora com a da proteção de interesses do estado (se estão em causa), ora com a da promoção, nos termos que a convenção prevê. Não se trata de uma lacuna. Tal dever pode e deve ser exercido, quer pelos canais adequados relativamente às autoridades, quer perante as opiniões públicas e consoante as legislações nacionais com o uso dos instrumentos de reposição ou de retificação, quer pelos meios próprios da missão – site oficial, blogue oficial ou oficioso, etc..

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