26 abril 2013

Um Presidente, um exemplo, uma palavra

A propósito dos pequenos comentários sobre o discurso do Presidente da República, bastante correio quer de concordantes quer de discordantes. Os nossos correspondentes, que em larga maioria não se identificam e se servem de endereços marcianos, poderiam muito bem servir-se da caixa de comentários, como anónimos se assim o entenderem e nas regras que nos pautam. Aos que se manifestaram contrariamente ao que aqui ontem ficou escrito, damos resposta geral.
O Presidente da República, como ele próprio tem por diversas vezes invocado, tem o magistério da influência e, se as competências não são muitas embora algumas decisivas, tem o recurso do exemplo e da palavra que outros poderes estão longe de poder usar como ele. Seja em intervenções, entrevistas, declarações ocasionais, mensagens institucionais ou não, e até em prefácios, a palavra do Presidente da República marca. Marca na opinião pública, nos agentes políticos (decisores ou representantes) e marca nas chancelarias atentas em Lisboa. Se há silêncio ou mudez quando se lhe exige ou espera uma palavra, as reações vão da estranheza civilizada à dúvida contundente. Se fala, resta saber se as palavras se adequam à circunstância, ao momento e aos destinatários.

É óbvio que ninguém de bom senso exigirá ao presidente da República que fale demais, dizendo sempre algo de novo ou repetindo-se. Apenas se lhe exige que fale suficiente e adequadamente. Numa data como a do 25 de Abril, ele tem, por exemplo, a oportunidade adequada de levar à prática o seu último slogan eleitoral que o fez continuar em Belém: “Acredito nos Portugueses”. Nessa data, palavra para os Portugueses, portanto, e não recados para políticos, cinco ou seis líderes políticos domésticos e 26 europeus, se é que todos estes ouçam. Na sua intervenção, quando se referiu aos Portugueses, inverteu as premissas, em vez de reafirmar que acredita neles, amiúde avisou que têm que se conformar e aceitar conclusões, mesmo que tais conclusões estejam coladas a clamorosos erros políticos que designou meramente como erros de estimativa e ainda assim com um advérbio de modo: provavelmente.

Ora o Presidente fala e pode falar, quando entenda ou possa, com tais destinatários políticos de reduzido número. No 25 de Abril, ali, não era uma intervenção parlamentar que se esperava do Presidente que não é deputado, nem uma mensagem ao Conselho Europeu, um recado á Comissão Europeia, ou se se quiser, um bilhete para a chanceler alemã. Aí vem o Dia da Europa, poderia aguardar esse momento para falar da Europa, do presente da Europa e das dúvidas sobre a Europa no futuro próximo. Questões com o Governo? Para além das reuniões de quinta-feira, tem todos os dias para o fazer, discreta ou publicamente, formal ou informalmente. Avisos e advertências diretas às oposições, mais precisamente à Oposição, também não era ali. Não é que advertências para Oposição e reparos ao Governo sejam questões que não interessam aos Portugueses. Interessam e de que maneira. Mas não era ali e naquele pretexto.

Se o Presidente acredita nos Portugueses, ele saberá que os Portugueses não são assim tão néscios que não saibam que existe uma maioria parlamentar que apoia o Governo; que desconheçam que, nesses termos, não há pretexto para o Governo continue em funções; que não prevejam, até por experiências passadas e fracassadas, que caso a maioria parlamentar se divida, será difícil ou até mesmo impossível um Governo de iniciativa presidencial que não roce pelas paredes do autoritarismo (se o parlamento não encontra um primeiro-ministro quem é que pode ser primeiro-ministro com o garantido apoio do parlamento?); enfim, os Portugueses em que o Presidente disse acreditar, e não se duvida, com autárquicas à porta e um calendário eleitoral em três anos seguidos, sabem que a hipótese de eleições antecipadas, por enquanto, é mero fogo de artifício paralelo às sondagens. Falar de todas essas questões que deveras interessam aos Portugueses, através de avisos e advertências a meia dúzia de políticos, de facto só contribui para a crispação política. Os Portugueses não ganham um cêntimo com isso.

Então do que é que Presidente poderia ter falado? Do estado da Democracia. Sobre o estado desta, faltaram-lhe as palavras, porque, admitamos, esse tema é incómodo. No estado em que a Democracia está, os Portugueses em que o Presidente, no slogan, disse acreditar, não toleram mais abstrações e oratória contornante. Nesse estado da Democracia que é o estado das coisas, a crise de inteligência diagnosticada já por Sérgio na década de 50 do século passado e à qual até hoje não foi dada cura, vem à cabeça. Mas sobre isto, o Presidente calou-se. Ou porque aquilo que entendeu dizer é para ter corda calculada durante meses, ou porque esse é um tema que, tratado sem querubins dourados, é incómodo e exige exemplo.

Além disso, um cravo não suja o fato.

1 comentário:

Anónimo disse...

Cavaco prestou um péssimo serviço ao país com este seu discurso. Ainda ontem á noite Pacheco Pereira dizia mais ou menos o mesmo. Foi dividir em vez de unir.
Mas, convenhamos, não nos deve surpreender. Cavaco é um ultra-liberal, um provinciano, um político tacanho, culturalmente sofrível.
O pior Presidente eleito desde o 25de Abril. Em 2016 ficaremos livres dele. Vá lá, ao menos isso!
Francisco Meirelles