A propósito dos pequenos comentários sobre o discurso do Presidente da República, bastante correio quer de concordantes quer de discordantes. Os nossos correspondentes, que em larga maioria não se identificam e se servem de endereços marcianos, poderiam muito bem servir-se da caixa de comentários, como anónimos se assim o entenderem e nas regras que nos pautam. Aos que se manifestaram contrariamente ao que aqui ontem ficou escrito, damos resposta geral.O Presidente da República, como ele próprio tem por diversas vezes invocado, tem o magistério da influência e, se as competências não são muitas embora algumas decisivas, tem o recurso do exemplo e da palavra que outros poderes estão longe de poder usar como ele. Seja em intervenções, entrevistas, declarações ocasionais, mensagens institucionais ou não, e até em prefácios, a palavra do Presidente da República marca. Marca na opinião pública, nos agentes políticos (decisores ou representantes) e marca nas chancelarias atentas em Lisboa. Se há silêncio ou mudez quando se lhe exige ou espera uma palavra, as reações vão da estranheza civilizada à dúvida contundente. Se fala, resta saber se as palavras se adequam à circunstância, ao momento e aos destinatários.
É óbvio que ninguém de bom senso exigirá ao presidente da República que fale demais, dizendo sempre algo de novo ou repetindo-se. Apenas se lhe exige que fale suficiente e adequadamente. Numa data como a do 25 de Abril, ele tem, por exemplo, a oportunidade adequada de levar à prática o seu último slogan eleitoral que o fez continuar em Belém: “Acredito nos Portugueses”. Nessa data, palavra para os Portugueses, portanto, e não recados para políticos, cinco ou seis líderes políticos domésticos e 26 europeus, se é que todos estes ouçam. Na sua intervenção, quando se referiu aos Portugueses, inverteu as premissas, em vez de reafirmar que acredita neles, amiúde avisou que têm que se conformar e aceitar conclusões, mesmo que tais conclusões estejam coladas a clamorosos erros políticos que designou meramente como erros de estimativa e ainda assim com um advérbio de modo: provavelmente.
Ora o Presidente fala e pode falar, quando entenda ou possa, com tais destinatários políticos de reduzido número. No 25 de Abril, ali, não era uma intervenção parlamentar que se esperava do Presidente que não é deputado, nem uma mensagem ao Conselho Europeu, um recado á Comissão Europeia, ou se se quiser, um bilhete para a chanceler alemã. Aí vem o Dia da Europa, poderia aguardar esse momento para falar da Europa, do presente da Europa e das dúvidas sobre a Europa no futuro próximo. Questões com o Governo? Para além das reuniões de quinta-feira, tem todos os dias para o fazer, discreta ou publicamente, formal ou informalmente. Avisos e advertências diretas às oposições, mais precisamente à Oposição, também não era ali. Não é que advertências para Oposição e reparos ao Governo sejam questões que não interessam aos Portugueses. Interessam e de que maneira. Mas não era ali e naquele pretexto.
Se o Presidente acredita nos Portugueses, ele saberá que os Portugueses não são assim tão néscios que não saibam que existe uma maioria parlamentar que apoia o Governo; que desconheçam que, nesses termos, não há pretexto para o Governo continue em funções; que não prevejam, até por experiências passadas e fracassadas, que caso a maioria parlamentar se divida, será difícil ou até mesmo impossível um Governo de iniciativa presidencial que não roce pelas paredes do autoritarismo (se o parlamento não encontra um primeiro-ministro quem é que pode ser primeiro-ministro com o garantido apoio do parlamento?); enfim, os Portugueses em que o Presidente disse acreditar, e não se duvida, com autárquicas à porta e um calendário eleitoral em três anos seguidos, sabem que a hipótese de eleições antecipadas, por enquanto, é mero fogo de artifício paralelo às sondagens. Falar de todas essas questões que deveras interessam aos Portugueses, através de avisos e advertências a meia dúzia de políticos, de facto só contribui para a crispação política. Os Portugueses não ganham um cêntimo com isso.
Então do que é que Presidente poderia ter falado? Do estado da Democracia. Sobre o estado desta, faltaram-lhe as palavras, porque, admitamos, esse tema é incómodo. No estado em que a Democracia está, os Portugueses em que o Presidente, no slogan, disse acreditar, não toleram mais abstrações e oratória contornante. Nesse estado da Democracia que é o estado das coisas, a crise de inteligência diagnosticada já por Sérgio na década de 50 do século passado e à qual até hoje não foi dada cura, vem à cabeça. Mas sobre isto, o Presidente calou-se. Ou porque aquilo que entendeu dizer é para ter corda calculada durante meses, ou porque esse é um tema que, tratado sem querubins dourados, é incómodo e exige exemplo.
Além disso, um cravo não suja o fato.
1 comentário:
Cavaco prestou um péssimo serviço ao país com este seu discurso. Ainda ontem á noite Pacheco Pereira dizia mais ou menos o mesmo. Foi dividir em vez de unir.
Mas, convenhamos, não nos deve surpreender. Cavaco é um ultra-liberal, um provinciano, um político tacanho, culturalmente sofrível.
O pior Presidente eleito desde o 25de Abril. Em 2016 ficaremos livres dele. Vá lá, ao menos isso!
Francisco Meirelles
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