05 setembro 2003

Congresso dos Advogados e Política Internacional.

Do 47.º Congresso da União Internacional dos Advogados (30 de Agosto a 3 de Setembro, em Lisboa, no CCB, com representantes de 75 países) pelo constou e não foi desmentido, saiu uma proposta no mínimo paradoxal: a da mudança da sede da ONU para um país neutral. Alguma imprensa chegou mesmo a titular que «Lisboa pode mudar a ONU», o que é também, no mínimo, paradoxal, pois não se sabe como a capital portuguesa poderá mudar a ONU quando esta se prepara para encerrar no final deste ano o modesto escritório que há décadas tem funcionado num andar das Picoas.

Mudança de onde? De Nova Iorque, onde de facto estão ancorados os complexos sistemas do Secretariado da organização e e da Assembleia Geral? De Washington onde «reside» o grupo do Banco Mundial?Possivelmente, a proposta da UIA evitou a clareza de pedir a saída dos EUA e não apenas de Nova Iorque. No entanto, outro grande pilar do Sistema das Nações Unidas, designadamente o estratégico ECOSOC, está precisamente em Genebra, no gigantesco edifício onde funcionou a Sociedade das Nações e que igualmente dá domicílio a um verdadeiro enxame de organismos internacionais, agências e programas que gravitam em torno da ONU. Genebra está num país neutral, tão neutral que foi dos últimos a tornar-se membro da ONU quando a neutralidade já não convencia absolutamente ninguém.

Evitemos repetir o que se sabe e que os advogados têm a obrigação de não desconhecer: para além de Nova Iorque, Washington e Genebra, os organismos, agências especializadas, programas e instituições da ONU têm as sedes espalhadas um pouco por todo o lado. Podem estar mal espalhadas, mas estão. Viena (outro pequeno enxame), Paris (UNESCO), Roma (FAO), Londres (OMI), Haia (Tribunal Internacional de Justiça e TPI), Hamburgo (Tribunal do Mar) por aí fora. Querem os advogados deste congresso mudar a ONU de onde para onde?

Vamos então à questão do «país neutral». Querem que a ONU mude para a Suiça onde já está em parte e onde a Sociedade das Nações esteve por inteiro deixando aliás um legado de má memória? Para além do país dos cantões, em matéria de neutralidades restará a Santa Sé, não se vislumbrando, todavia que a ONU possa albergar-se na capela Sistina.

É verdade que para além do fogacho da sede, os advogados abordaram a questão da reforma do sistema da ONU. Contudo nenhum dos problemas levantados e propostas feitas (reforma do Conselho de Segurança, questão do veto, relações entre Conselho e Assembleia Geral, financiamento e controlo orçamental da organização, enfim, a revisão da Carta) têm qualquer novidade e estão na agenda da organização mundial.

O que é novo é que o presidente da União Internacional dos Advogados, o libanês Antoine Akl, ignore que o TPI não é um «tribunal penal das Nações Unidas», como afirmou no discurso inaugural do congresso perante Jorge Sampaio. Ignorar isso, vindo de um advogado de Beirute, e não explicar por que razão o Líbano não ratificou o Estatuto de Roma, é neutralidade em demasia.

Moral do congresso: nem Lisboa mudou a ONU, nem mudaram os advogados em matéria de política internacional onde a regra de apoiar os clientes não resiste, como se tem visto quando essa regra é aplicada pelos leigos.

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