Sem dúvida, é intrigante a recusa do Embaixador Seixas da Costa em aceitar a candidatura «ganhadora» para o cargo de Enviado Especial da União Europeia para o Médio Oriente. E mais intrigante passou a ser o silêncio que se seguiu à recusa, apenas quebrado por uma ou outra especulação menor para o caso. Seixas da Costa remeteu-se ao silêncio, o MNE ao silêncio se remeteu e, de modo geral, o assunto «passou» para a opinião pública como uma «derrota» da diplomacia portuguesa. Certamente que muitas causas estarão a ser confundidas com os efeitos. Vamos tentar deslindar o caso, até para desfazer um equívoco: não é um «emprego português».
1 - O cargo de Enviado Especial da UE para o Médio Oriente faz parte da lista de ambições justificadas: 27 mil euros mensais (mais ajudas de custo), um Falcon 50 à disposição e staff qualificado.
2 – A base operacional e logística do Enviado Especial é Nicósia (Chipre) mas porque, pela natureza de funções se integra no chamado Quarteto (juntamente com os representantes dos EUA, Rússia e ONU), as viagens são constantes, daí o Falcon 50.
3 – Em função da relevância mundial da questão do Médio Oriente, a figura do Enviado Especial pode estar sujeita a uma das mais altas exposições na cena internacional. Se o Enviado Especial se auto-reduzir a «funcionário de Bruxelas», limitando-se a cumprir no campo negocial as instruções da UE, a exposição será menor, e se for um «funcionário por inteiro», sem criatividade no terreno e voz própria, a exposição será mesmo nula.
4 – Quem era o Enviado Especial antes da «hipótese» Seixas da Costa? Desde 1996 que o cargo estava a ser desempenhado pelo espanhol Miguel Moratinos. E entram aqui os arquivos próprios de Notas Verbais: Seixas da Costa esteve no centro da nomeação do diplomata espanhol, no momento em que os Acordos de Oslo pareciam ter vida própria e quando a União Europeia ocupava um lugar determinante no Quarteto, importância que foi sendo esbatida à medida que os EUA foram passando a liderar o «Roteiro para a Paz». A frustração de Miguel Moratinos, na parte final do desempenho, era total precisamente pela quebra de importância da UE nesse processo.
5 – Como surgiu a hipótese da candidatura recusada por Seixas da Costa? Sabe-se que, para suceder a Moratinos, o nome de Seixas da Costa foi inicialmente sugerido pela roda de Solana. A sugestão chegou naturalmente ao conhecimento de Lisboa que acolheu. Seixas da Costa tinha um capital de confiança na alta esfera da «diplomacia europeia» e pela confluência do apoio tácito de Solana e do acolhimento de Lisboa, não foi difícil conseguir as desistências de uma meia-dúzia de outras candidaturas que se perfilavam. Foi assim que, em sede de Conselho Europeu, o nome de Seixas da Costa recolheu o que um candidato mais deseja em qualquer lugar do mundo: unanimidade. Só que, desde o primeiro momento em que o processo tomou forma, Seixas da Costa recusou, sem reservas, a candidatura.
6 – Chegamos assim ao ponto da questão: porquê? Razões pessoais? Razões de ordem funcional? Razões políticas, designadamente as que se prendem com o afrouxamento da relevância da União Europeia no Quarteto onde os EUA é que dão música?
7 – Naturalmente que as razões pessoais são do foro pessoal e mesmo que não sejam para aqui chamadas, não sabemos nem Seixas da Costa, ao que se sabe, alguma vez as invocou ou descreveu. Em todo o caso, é lícito excluir qualquer considerando de ordem remuneratória: 27 mil euros/mês, ajudas, Falcon, staff... não é coisa que se recuse de ânimo leve. Mas também é lícito colocar aqui um «pequeno pormenor»: é que Seixas da Costa, no caso de ter aceite o lugar em Nicósia, teria que sair da Carreira Diplomática Portuguesa transitando para uma organização internacional. E o pormenor não é pequeno pois estará directamente relacionado com a «história» da promessa que recebeu a chancela de Jorge Sampaio, da sua colocação em Londres, como Embaixador de Portugal no Reino Unido a partir de 2004, compromisso que, como se sabe, não foi honrado. Separadamente, iremos falar deste «pormenor».
Portanto, quanto a razões pessoais relevantes, pode ficar eventualmente retido que Seixas da Costa não quis abandonar a Carreira, trocando-a por um cargo em organização internacional.
8 – E bate a bota com a perdigota, pelo que passemos às razões políticas. A frustração de Moratinos era de molde a influenciar a decisão de qualquer candidato de elevado perfil. Aceitar o cargo equivaleria a aceitar uma herança pesada, muito embora bem paga. A União Europeia em 2003 não tem a importância que tinha em 1996, no processo do Médio Oriente que, também, não corresponde a uma vertente estratégica, prioritária e crucial da política externa portuguesa (contrariamente ao que sucede com a Espanha que tradicionalmente tem ou exibe ter interesses marcantes na matéria). Não será um Enviado Especial em Chipre a inverter a marcha, protagonismo e conteúdos da chamada Política Externa da UE. O Enviado assim pouco mais será que um Chegado. Portanto, nada disto teve a ver com a propalada «derrota da diplomacia portuguesa» no caso, como Ana Gomes por aí andou a dizer sem fundamento. Seixas da Costa não quis, foi só isso e foi isso que a principio comunicou, como se sabe nas Necessidades. Porque não quis abandonar a Carreira Diplomática mesmo por um preço tentador? Presume-se que sim, está no seu direito e se Seixas da Costa alguma vez entender explicar se foi isto, que explique, não vamos falar por ele. Nós apenas presumimos, pelos fundamentos que a frustração de Moratinos reforça. Mas resta ainda outra ordem de possíveis razões.
9 – As razões operacionais, funcionais, como se queira. Ora bem: num cargo de tal importância, uma personalidade oriunda de um pequeno Estado, deve contar à partida com o apoio constante do seu Governo. As falhas de Bruxelas são muitas e repetidas. Mas quem acredita que Seixas da Costa teria esse apoio constante de Lisboa com o que se passou desde Nova Iorque e Viena até ao incumprimento do compromisso para Londres? E se Seixas da Costa entrasse em conflito funcional com Bruxelas (o que não seria difícil antever, dada a inanição da UE), qual seria o apoio de Lisboa para ele regressar à Carreira? Se o compromisso com Londres não foi honrado, regressaria? E em que moldes? É quase irrecusável aceitar que precisamente esta ordem de razões terão pesado na recusa de Seixas da Costa, relevando-se mais uma vez que essa recusa nada tem a ver com uma «derrota da diplomacia portuguesa».
10 – Obviamente que o ex-Director-Geral de Política Externa, Silveira Carvalho, sabe mais do que nós sobre isto. Obviamente também, a «unanimidade» conseguida no Conselho Europeu em torno do nome de Seixas da Costa, seria impossível repetir com a candidatura de Costa Neves. Nem com 16 idas a Fátima, uma por cada Estado membro mais uma por Solana.
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