17 setembro 2004

António Monteiro. Pequeno passo nas Necessidades, grande passo para a «cultura diplomática»

O Ministro António Monteiro entregou a algumas dezenas de jornalistas portugueses e correspondentes estrangeiros, cartões de acreditação permanente nas Necessidades. Foi sem dúvida um gesto simbólico e um pequeno passo nas Necessidades no diálogo, hoje incontornável, entre o hemisfério de decisores de politica externa e diplomatas por um lado e o hemisfério mediático por outro lado. Mas também foi um grande passo para a «cultura diplomática» portuguesa, tradicionalmente fechada, temerosa e tantas vezes, sem motivo e mesmo sem vencimento de causa, excessivamente escrupulosa. Num gesto sem precedentes, o ministro convocou para a Cozinha Velha do palácio as altas hierarquias em peso, apresentando, um a um, aos jornalistas, desde secretários de Estado e Secretário Geral do MNE a directores-gerais e presidentes de institutos e organismos autónomos, desde cotados Embaixadores veteranos na disponibilidade a jovens diplomatas sobre quem recairá, mais ano menos ano, representar o País, oxalá que nas causas da Paz e não nas da guerra. Houve conversa no discurso directo, esforço geral de distensão, troca de cartões, endereços de mail, números de telemóveis e sobretudo muitos olhos nos olhos. Todavia, mais do que o símbolismo dos cartõezinhos, foi importante que diplomatas e jornalistas se vissem reciprocamente e tivessem chagado à fácil conclusão nem o desajustado «poder» que supostamente cada um atribui ao outro leva a qualquer lado, nem o desuso desse mesmo poder que mesmo que não acreditem grandemente, cada um têm efectivamente, leva a que o Estado lucre alguma coisa. Ante spelo contrário, com o desuso, o Estado apenas perde.

Vários ministros, antes de António Monteiro, declaram-se rendidos à evidência de que as Necessidades deveriam assumir uma nova pose perante o mundo mediático, melhor dizendo, deveriam assumir uma «nova cultura» no diálogo com os Jornalistas. No entanto esses declarados bons propósitos acabaram sempre na nomeação de porta-vozes que pouco portaram (foram parecendo uns mestres de cerimónias e pouco mais), completaram-se com as ofertas seleccionadas de umas viagens ao estrangeiro se havia lugar no Falcon e remataram-se, quase sempre por regra e cunha, num exclusivo orientado para o tal jornal de fim de semana ou para o tal diário dos restantes cinco dias, conforme as circunstâncias aconselhavam ou os humores do assessor ditavam. Pouco mais.

Com essa política de comunicação própria do Portugal dos Pequeninos, foi perdendo o Estado, com rombos na afirmação da sua imagem externa, na clarificação, divulgação ou mesmo conhecimento da sua actuação no exterior e, claro, foi perdendo a Diplomacian que em vastas áreas se move nas mesmissimas áreas onde estão ou deveriam estar Jornalistas, ou melhor, fazendo uma precisão naturalmente oportuna, Jornalistas credíveis e acreditados, desde que os diplomatas também sejam credíveis e não tenham desacreditado o Estado que servem.

António Monteiro, diplomata que é, garantiu aos Jornalistas que as Necessidades «não têm nada a esconder» e esta é uma verdade tão grande como verdade é que as Necessidades nada lucram em esconder seja o que for. Claro que o ministro António Monteiro, ao dizer que nada havia a esconder, não disse que muita coisa as Necessidades têm e devem salvaguardar. Os Jornalistas sabem que isso é tão válido em Lisboa, como em Paris, Washington, Madrid ou Bruxelas e temos a certeza que respeitam o que «isso» pressupõe em termos de segredo de Estado, de sigilo negocial ou mesmo de interesse para a eficácia negocial, seja qual for o plano - político, humanitário, económico, por aí fora. Daí que mais do que simbólico, foi significante que o ministro António Monteiro, igualmente sem precedentes, tenha apresentado e assumido o Porta-Voz do MNE no lugar que lhe compete: o de Porta-Voz. E nesse significativo destaque, Carneiro Jacinto também esteve bem, começou melhor do que outros e fez primorosamente o que os restantes não conseguiram fazer ou porque não tinham voz (tinham tosse) ou passaram pelas Necessidades sem gonzos na porta (que por isso nem abria bem para não esconder nem fechava eficazmente para salvaguardar).

Viradas as cartas, o simbólico cartãzinho das Necessidades, se foi um pequeno passo para os diplomatas que nunca desacreditaram o Estado que servem, sim, é verdade, também foi um grande passo para os Jornalistas que generalizadamente estão acreditados como nunca tendo vendido a alma por uma ganhunça, pequena que seja.

Carlos Albino

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