A convocação de uma segunda cimeira África-Europa para Lisboa tem sido um desiderato dos governos portugueses (Guterres/Jaime Gama, Barroso/Martins da Cruz+Teresa Gouveia e agora Santana/António Monteiro). Depois de uma arrancada auspiciosa no Cairo (primeira cimeira em Abril de 2000), uma segunda convocatória chegou a estar marcada - com atraso de um ano - para 5 de Abril de 2003 mas que foi anulada devido ao diferendo entre Bruxelas e Harare. A União Europeia decretou, em Fevereiro de 2001, sanções renovadas anualmente contra 79 dirigentes do Zimbabwé que foram abrangidos por uma interdição de visto (Travel ban), entre os quais figura à cabeça o presidente Robert Mugabe que concita as simpatias de muitos chefes de Estado africanos. No Cairo tinha sido decidido convocar o mega-plenário euro-africano de dois em dois anos pelo que em 2004 deveria ocorrer um terceiro encontro. Portanto a questão central que impede o diálogo entre os dois continentes é o impedimento europeu imposto a Robert Mugabe para se deslocar a qualquer capital europeia, designadamente Lisboa a quem ficou cometido o trabalho de casa.
O mais recente desenvolvimento da questão registou-se em Nova Iorque onde o MNE António Monteiro se move como peixe na água, desde os seus tempos no Conselho de Segurança. Diversos encontros de Santana Lopes e do MNE, à margem da 59.ª sessão da Assembleia Geral da ONU, foram nesse sentido. Pedra-chave na matéria é, sem dúvida, o Presidente da Nigéria, Olusegun Obasanjo, presidente em exercício da União Africana, como pedra-chave poderia ter sido o antecessor no cargo, o presidente moçambicano Joaquim Chissano que, a bem da verdade, nem atou nem desatou.
António Monteiro aposta numa solução diplomática semelhante à que aparentemente desbloqueou a cimeira Europa-Ásia, marcada para Outubro, em Hanói, e que se encontrava empancada pela questão idêntica que envolve Myanmar. Os birmaneses vão estar nesse encontro com uma delegação tácitamente desgraduada (a nível de MNE), formato que a argumentação diplomática preconiza para Harare.
Para já, foi significativo que Santana Lopes tenha avançado uma data depois do encontro com o presidente nigeriano. E avançou precisamente com o ano de 2006, quando, se tudo tivesse corrido bem desde o Cairo, deveria acontecer já um quarto encontro.
Nas chancelarias que seguem o tema, alimentam-se esperanças em que o quadro das sanções se altere, ou por algum passe de mágica de Robert Mugabe ou por alguma inesperada elasticidade europeia. Sabe-se que as sanções ao Zimbabwé resultaram sobretudo de pressões britânicas (consolidadas por algumas outras disfaçadas mas também pressões concorrentes em África), em nome de interesses afectados, tal como se sabe que, se tal critério fosse seguido para todos os países africanos por igual, dificilmente se contaria pelos dedos das mãos o número de Estados isentos de mácula grave em matéria de direito internacional, direitos humanos, boa governação, corrupção. O Sudão por exemplo, havendo mais.
E Portugal que está no meio disto, avança com a data diplomaticamente longínqua de 2006 mas que, aceita-se, será a data politicamente mais próxima. Foi acertado, para efeitos de trabalho de casa, avançar com uma data depois da conversa com o Chefe de Estado nigeriano.
Os africanos têm óbvio interesse em levar para a frente o Plano de Acção do Cairo. E os europeus também. Da convocação de uma segunda cimeira depende em grande parte a eficácia e até o significado dos mecanismos de acompanhamento das decisões concertadas no Egipto em 2000, quer a nível ministerial (entre cimeiras...) quer a nível de Altos Funcionários, um grupo bi-regional que naturalmente não pode trabalhar sem rede e sem respaldo político.
No hiato consular de Teresa Gouveia, o preparo da cimeira se não ficou ferido na substância também não foi beneficiado por algum golpe de asa, por algum empurrão ou por alguma iniciativa salvadora. A solução, com paciência asiática, encontrada para Myanmar, acabou por acender a lâmpada das Necessidades numa matéria que, envolvendo a África, é para Portugal não apenas um ponto de honra mas um momento para que a nossa Diplomacia ou a nossa Política Externa ponha a boa mão na sua melhor consciência.
Mais tarde diremos mais porque também temos os nossos Mugabes, tenham os britânicos santa paciência e alguns africanos também, designadamente lusófonos.
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