09 novembro 2004

Sampaio. Do poder moderador ao poder comentador

É verdade. Surpreendemos o embaixador Agapito na célebre Cozinha Velha das Necessidades. Estavamos a sós, sob a paz daqueles azulejos e junto do enorme tampo de pedra onde, segundo se diz, alguns ministros ferozes do passado esquartejavam às duas da manhã os diplomatas que ousassem criticar a política externa portuguesa.

«Meu caro, outrora aprendia-se na faculdade que o nosso Presidente da República tinha um poder moderador, que era uma semi-espécie de cada um dos poderes moderados... Agora? Agora, meu caro, temos um Presidente da República que tem o poder comentador! Caramba! Ele não modera! Só comenta! Vai a Cáceres, comenta. Vai a Huelva, comenta. Vai ao Alentejo, comenta. Até no banquete que lhe oferecido pelo presidente da Itália, Carlo Azeglio Ciampi, foi comentador. Recebe embaixadores na véspera de partida para as capitais e comenta, comenta, comenta. Deixou de moderar! Adeus lições de faculdade!»

Agapito olhou à volta, olhou desconfiado, olhou para o tecto da Cozinha e constatando a ausência desse grande princípio do contraditório que é o Embaixador Casamia, numa estranha e inusitada voz baixa como quem revela uma grande descoberta, confidenciou: «E sabe? O meu caro sabe que aprendi com esse comentador chamado Carlos Magno que um comentador não passa de um site em construção?»

E é também verdade que o Embaixador Agapito ficou tempos e tempos calado a olhar para aquele tecto como se tivesse encontrado nalgum dos azulejos o exemplo acabado do poder comentador. «Adeus poder moderador, adeus... Site em construção...» Ainda se ouviu ele dizer.

Sem comentários: