13 março 2006

Ponto Um. Qual é o problema?

Os que com paciência benévola seguem Notas Verbais, certamente que já se aperceberam que não somos propícios a debates exotéricos, e se aceitamos jogos de palavras é quando esse jogo pode eventualmente distender, possivelmente até divertir, dando à vida um ar menos carrancudo. Não nos interessa pois indagar se a «cooperação dinâmica» que Belém manifesta face a S. Bento será um padre nosso ou uma salve rainha, e muito menos nos interessa, a propósito disso, fazer uma lição tão profunda e tão divertidamente académica que até fará tocar a Cabra de Coimbra por si. Cremos que, em função do que para aí se escreve, disserta, deputa e delega, Cavaco deve estar a divertir-se já, como ninguém, sem ter delegado, deputado, e muito menos dissertado já que não se sabe se foi ele que escreveu o que tem lido, ou alguém por ele, mas admitamos que foi.

Nas matérias de política externa e da actividade diplomática, muitos no passado têm tentado sem êxito para eles próprios e para o País, fazer crer que a imagem pública dessa política e dessa actividade é tudo ou que, não sendo tudo, é o essencial. Portanto, esses investem tudo na imagem como se a imagem salvasse a política e a actividade, jogando mão a todos os processos e procedimentos – pressão sobre jornais, televisão e naturalmente sobre a agência noticiosa, condicionando directa ou indirectamente a prática dos actos profissionais dos jornalistas, por vezes ocultando a partir dos postos de poder aquilo a que a sociedade tem o direito de saber e, mais grave, distorcendo factos, alterando deliberadamente situações e dando cobertura a mordomias impensáveis. No passado, este cenário ocorreu por diversas vezes e, diga-se, tendo o cenário derrocado igualmente por diversas vezes também muito pouca gente ficou a perceber bem as razões de cada derrocada.

Mal está uma democracia quando em vez de uma cultura de transparência se cultiva o ódio por quem sabe. Mal de uma política externa quando em vez da dignificação do segredo de Estado como instrumento de defesa do Estado, se brinca com o fogo dos interesses privados e egoístas que sobrevivem à custa de segredos sérios. Mal de uma actividade diplomática quando por obsessão de imagem pública, se esquece até do se faz publicar na folha oficial e, pior, se esquece que a única e aceitável cooperação dinâmica do poder deve ser feita com a sociedade.

Nas matérias de política externa e da actividade diplomática, quando alguma coisa parece não correr bem ou alguma coisa não tem a imagem do esclarecimento, o poder tem o dever imperativo de perguntar: «Qual é o problema?» . E deve imperativamente também, ouvir e até ajudar na formulação do problema. Isto só não acontece quando o Governo se autoconvence que se confunde com o Estado, que é o Estado, e que o Estado apenas está nele. Não está, e daí algumas derrocadas no passado.

Carlos Albino


Amanhã, Terça-feira, segue o Ponto Dois.

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