[Ponto.Crítico] O mal desse documento sobre a Reestruturação da Rede Consular, mal de raiz, é que nele não são feitas perguntas mas apenas se ditam respostas, e com arrogância dispensável em algumas passagens. Um documento destes não se pode chamar «técnico» porque pretende resolver uma questão que nem sequer foi formulada, fazendo denotar insuficiência de método da parte de quem o elaborou. Qual é o problema ou quais são os problemas da Rede Consular Portuguesa? Era isto que o «técnico» deveria logo inicialmente formular. Não o conseguiu, não soube ou, sabendo, não quis, contaminando inevitavelmente os critérios escolhidos para ditar a solução ou soluções apresentadas, sendo um paradoxo ditar soluções sem identificar os problemas, mais paradoxal sendo que se faça subir um tal documento tão frágil para o patamar da proposta política e, portanto, muito próximo da decisão também política. Houve, por parte do Ministro e, cremos, também da parte do Secretário de Estado, o bom senso de impedir que tal documento chegasse a um ponto de não retorno, mas para já, tal documento provocou um mal insanável – inquinou o debate sério, desapaixonado sobre a função consular e sobre o que nessa função deve ser recolocado para dignidade do Estado e em função dos interesses do Estado, porquanto, nesta matéria, a Convenção de Viena relativa às Relações Consulares não tem duas leituras.
Noutro ponto estaríamos se aquele grupo de trabalho liderado por Bernardo Ivo Cruz , tivesse começado por descobrir as perguntas que necessitam de resposta numa rede consular como é esta de que Portugal dispõe, e, se nesse esforço, tivesse dialogado com diplomatas, funcionários e organizações que não podem ficar alheias aos consulados nem estes as podem ignorar. O resultado do trabalho teria sido outro, com uma proposta de idêntica poupança ou até de mais poupança, se a questão previamente pronta era esta e apenas esta. Só que distribuir questionários pelos consulados e secções consulares em que, omitindo-se o essencial, faltou pouco para interrogar sobre quem fundou Portugal, não é dialogar e muito menos elaborar o problema ou os problemas que necessitam de resposta antes de qualquer reestruturação e depois também. Esse erro de método, de resto comum aos académicos desligados da vida, inquinou o debate como se viu no Seminário Diplomático com o Ministro a ter que pôr água na fervura e a gerir o que parecia já quase impossível de gerir no confronto com o Conselho das Comunidades.
É errado pensar-se que o Governo recuou, como já foi dito. O que aconteceu ou estará, por certo, a acontecer, é que o Ministro e o Secretário de Estado se distanciaram de um documento «técnico», por sinal pior que o anteprojecto de António Braga que em certo momento muita gente entende que foi desautorizado na matéria.
Para um assunto tão sensível e praticamente a coincidir com a presidência da EU, se poupar é a única questão, há tempo – até se pouparia mais encerrando todos os consulados. Mas sendo o principal problema da Rede Consular o da unificação, eficácia e coerência da acção e serviços do Estado no exterior – onde muito, muito para além do que pode e deve ser poupado, há muito, muito por ganhar que não se ganha – para isso já não há tempo, porque se gastou 2005 num documento que dita respostas sem identificar o problema, e parte de critérios a que, mais uma vez, falta acuidade.
Diplomacia portuguesa. Questões da política externa. Razões de estado. Motivos de relações internacionais.
16 fevereiro 2007
[Ponto.Crítico] 2 Consulados, qual é o problema?
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