Recusa-se um posto e fica-se a «aguardar em casa».
O que não se ficaria a aguardar do país
se a regra fosse seguida
nas empresas, nos jornais, nas escolas,
nos hospitais, na justiça, nas esquadras de polícia!
A FÁBULA MOSTRA QUE Suponhamos, João Marcelino, o director do DN, chama o conhecidíssimo redactor Braamcamp António, e diz-lhe: «Meu caro, no interesse deste jornal e dos leitores, precisamos que parta para o Togo em reportagem política…» E que o Braamcamp António nem deixa terminar a frase: «Para o Togo? Não vou. Recuso. Se me enviar para Washington, muito bem! Para o Togo não aceito.» Ao que, João Marcelino, tolerante, aquiesce em parte troando o Togo por confortável posto: «Com certeza Braamcamp! Não vai para o Togo, lamento, fica em casa a aguardar que lhe marque outro país à altura do seu talento, mas como sabe, para Washington já enviei o Tito Cossoul.»
E foi assim que por três, sete, quinze largos meses podia-se ver o Braamcamp felicíssimo a descer a Rua de Buenos Aires, a não perder um único lançamento de livro sobre problemas gerais do mundo, a intervir triunfantemente em todos os debates sobre o Tratado Europeu ou a deixar de rastos os elementos da sociedade civil nos debates da CPLP de que dependem o futuro de grande parte da África (designadamente o do Togo), apenas porque o Braamcamp, brilhante redactor político, sem perda de remuneração, estava aguardar em casa melhor e adequada agenda para o seu talento.
Rir-se-iam no Público se não fosse fábula que aí também não acontecesse. É que neste jornal, outro talento insubstituível, o redactor Melício Preto, recusara partir para o mesmo Togo: «Prezado director José Manuel Fernandes, somos amigos mas para o Togo nunca! Recuso! Nunca lá estive nem quero ir para lá um segundo. Marca para outro» – disse ele, certo dia ímpar, com feição viril, porque nos ímpares a feição era efeminada mas igualmente assustadora. «Mas porquê? Porque recusas o Togo? - estes até se tratavam por tu - Porque é que recusas o Togo se apenas tu é que podes fazer o queremos no Togo?» E logo, resposta de fuzilaria: «Zé! Julgas que não estou bem informado? Se o Braamcamp do DN recusou, eu, Melício Preto, sou menos do que ele?». É claro que o director não teve outro remédio e mandou Melício também a aguardar em casa, quatro, oito, dezasseis meses meses, à espera de coisa mais adequada para Preto que o Togo.
E assim foi. Comprovava-se a felicidade de Melício a aparecer dia-sim dia-não, ora na SIC ora na RTP, a comentar tudo de carreira, das pescas no Mar do Norte ao último decreto da junta Birmanesa, do silêncio de Putin àquilo que nem a inteligência norte-americana sabe do que o líder do Hezbollah silenciosamente pensa, e a comentar até, certo dia em hora nobre na cara de Braamcamp, um distúrbio de há dois minutos, no Togo de rejeição comum de dois, começando ele: «O Togo, país que eu conheço muito bem… aliás, tu, meu caro Braamcamp, conheces o Togo tão bem ou melhor do que eu...»
Encurtemos. Esta fábula, é fábula sem lição fora das Necessidades - nem seria necessário esclarecer. Mas nas Necessidades, é a própria fábula que esclarece de Braamcamps Antónios a Melícios Pretos.
Suponhamos ainda. Num dia, o ministro chama Braamcamp e diz-lhe: «Senhor Embaixador António, preciso de você em Lomé.» Responde o diplomata: «Senhor ministro, não posso aceitar. Permita-me Vossa Excelência transmitir que as razões invocadas pelo embaixador Melício para anterior recusa desse posto, são as minhas e eu sou full rank! Aceitarei humildemente as vossas ordens de marcha para Washington, Londres, Moscovo ou mesmo Madrid, mas Lomé, lamento, não!» E lamentando também, o ministro lá retorque: «Com certeza, então fica a aguardar em casa até que o designe.» E lá ficam também os embaixadores Braamcamp António e Melício Preto a aguardar em casa, igualmente sem perda de remuneração ou qualquer penalização, convertendo a espera naquela que seria a mais autêntica função de soberania, caso a regra do aguardar em casa fosse soberanamente seguida nas empresas, nos jornais, nas escolas, nos hospitais, na justiça, nas esquadras de polícia.
Carlos Albino
Próximo Ponto Crítico, dessa vez
sobre Os Embaixadores das Recusas.
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