Desperdícios e omissões. É um terreno onde não fizemos muito (ainda nos recordamos de Soares no elefante, durante 15 dias a passarinhar-se pela Índia). O modo displicente como gerimos a nossa presença em Goa é uma das razões para alguns mal-entendidos que se criaram.
O relacionamento Portugal-Índia teve um bom começo, por acção do primeiro embaixador em Delhi,
Luís Gaspar da Silva que conseguiu dos indianos aquiescência para um Acordo relativo ao mar que, aplicado, teria transformado Lisboa em porta de entrada da Índia para a Europa. Delhi aprovou o acordo (Gaspar da Silva assinou-no no parlamento indiano) que daria a Portugal o monopólio das pescas no Índico e um estaleiro em Goa, a troco de um espaço de trânsito marítimo em Lisboa para a marinha mercante indiana, mas a diplomacia portuguesa não compreendeu o alcance e deixou isso na gaveta. Gaspar da Silva deixou por lá um ímpar rasto de respeito. Até hoje.
E depois? O posto de Delhi foi amiúde usado indecorosamente por Lisboa como purgatório ou limbo da carreira, onde diplomatas de craveira, sem meios, isolados e sem estímulo político, pouco mais poderiam fazer do que cumprir incontornáveis obrigações protocolares. Alguns, por serem precisamente de craveira, fizeram contudo, o possível dentro do impossível.
E Goa? Colocámos lá gente inadequada, com a relação do Consulado-Geral em Goa com a Fundação Oriente a nunca não ter sido boa, como nunca bem visto por Delhi foi o respectivo trabalho conjunto.
Em 2000, porém, tinha Seixas da Costa os Assuntos Europeus, Portugal foi quem teve a iniciativa de organizar a primeira Cimeira UE-Índia, dando à Índia, no seu relacionamento com a UE um estatuto de grande destaque (idêntico à China, aos EUA, ao Canadá e muito poucos mais). Por sinal João Gomes Cravinho esquece-se deste pormenor. Nem o Brasil tem estatuto idêntico! Os indianos ficaram radiantes tanto que, ao que sabemos o MNE indiano fez questão de ir pessoalmente às Necessidades para agradecer a ideia e contributo português. A Índia ficou muito grata com a iniciativa portuguesa e
Jaime Gama ganhou muitos pontos com isso. Bem nos recordamos, até porque presencialmente seguimos a matéria. Foi um "turning point" no relacionamento bilateral. E os indianos não esquecem! Embora Portugal nem sempre se recorde,tantas vezes, de quem descobriu a pólvora.
Sócrates/Amado, na presidência portuguesa/UE de 2007, vão repetir a proeza, oxalá, com efeitos ou resultados diferentes.
Mas - como, infelizmente, sempre acontece com a Índia e alguns outros países promissores para o relacionamento bilateral - as coisas encontram sempre uma razão para não andarem.
E, por um conjunto complexo de motivos,
Sampaio acabou por não ir à Índia - embora os indianos tenham sido culpados na dificuldade de marcação de datas. Mas foi uma falha grave numa década, Portugal ter deixado cair ou ter-se «esquecido» da Índia!
Agora,
Cavaco percebeu bem isto e, depois de Espanha (
et pour cause), escolheu a Índia como primeira visita de Estado. E fez muito bem.
Claro que é pena, porém, que não esteja já lá
Luís Castro Mendes, o futuro embaixador, em quem gente da melhor referência na carreira deposita imensas esperanças para dar um "abanão", em especial nas relações culturais, já que na área económica só se fará o que os empresários quiserem, por mais que a diplomacia os empurre... Castro Mendes é uma das figuras mais brilhantes da geração que ascende agora ao topo - foi o 1º classificado no concurso de ingresso de 1975, onde entraram as primeiras mulheres para a carreira. Castro Mendes, no Brasil, deixou no Rio uma imagem ímpar como Cônsul-Geral, com o Palácio de S. Clemente sempre cheio de figuras da escrita, das artes e da sociedade pensante (da outra sociedade é fácil encher..., como provou o António Tânger). Os intelectuais, os editores, os cineastas, etc,. falam dele, no Brasil, a toda a hora, com saudade (embora o Almeida Lima esteja agora a fazer também um trabalho interessantíssimo). Constatamos isso. Castro Mendes foi, no entendimento partilhado por muita gente, uma belíssima escolha para a Índia. Tem uma carreira de muito mérito e interesse, de que se recorda, assim de cabeça, em 1975 era adjunto do Melo Antunes (o Gomes Mota, no livro sobre o Verão Quente, diz que ele foi dos redactores principais do documento dos Nove); esteve em Angola no início dos anos 80, quando a embaixada se organizou pela primeira vez; esteve em Madrid, a seguir, na altura do golpe do Tejero; esteve em Paris, como nº 2 do embaixador Gaspar da Silva; foi também, antes disso, assessor do Eanes e, muito mais tarde, chefe de gabinete de Lamego, antes de ir para o Rio. Mas Martins da Cruz desperdiçou-o uns anos na Hungria, onde, apesar de tudo, fez boas coisas culturais. Ainda sobre Castro Mendes: é um poeta admirável, embora não devamos falar disso pois poesia não é razão de Estado, é um estado da Razão. Vai ser um grande embaixador na Índia – apostamos! – onde já tivemos gente da cultura (
Álvaro Guerra e
Marcelo Mathias) e um homem que trabalhou muito mas com pouco "backing" de Lisboa, um dos grandes e pouco reconhecidos profissionais da carreira, quase sempre mal aproveitado -
Marcelo Curto. Sim Marcelo Curto, nome de craveira.
Agora, tem lá estado o embaixador
Ferreira Marques, que é um bom profissional e que, esperamos, vai organizar bem a ida de Cavaco e deixar um legado para Castro Mendes.